Exórdio
O
discurso do ódio e a cultura da punição afetam a igreja, as
empresas, as nações, o país. As instituições estão nocivas,
infaustas, enfermas, peçonhentas e por esta causa a vida futura está
condenada. Tudo virou um grande arquipélago carcerário, um refugo
de castigos, uma rede de ilegalismos biopolíticos que aumentam os
perigos para a humanidade.
O
ser humano está fragmentado. Se tornou um pecador compulsivo, um ser
incompleto, uma engrenagem de intenções da sociedade, um sofredor
de delírios infrutíferos, um somático da sociedade capitalista, um
marginal e um demônio.
Há
séculos, devido as múltiplas visões sobre o ser humano ampliam-se
as subjetividades do medo, desdobram-se os espaços de guerra, se
potencializa as inquietudes, limitam-se às liberdades, normalizamos
os comportamentos, suprimimos os indiscerníveis, diabolizamos os
adversários, criamos paradigmas de eficiência inalcançáveis,
despersonificamos os alienados, impulsionamos as urgências,
concordamos com as aclamações sem raciocínio, contingenciamos o
palco das relações de força, amparamos o cinismo, apressamos as
convicções sem o tempo da reflexão, anulamos a conexão da verdade
com a justiça, excluímos os inaceitáveis e domesticamos os demais.
Manipulamos a todos.
Estamos
atrofiados. Já não podemos responder…
Você
conhece a si mesmo?
Reconhece
as próprias áreas de perigo?
Sabe
onde é vulnerável?
Consegue
ter a força necessária para se afastar das suas fraquezas?
Por
isso, se alguma
das respostas for negativa, você corre o risco
de cair na inconsciência, se tornar mórbido, perder a essência da
vigilância, ficar desatento diante das tribulações e agravar o mal
da humanidade.
“Em hebraico, infelicidade significa estar parado”.
Mas
a Palavra da Verdade nos diz que é sempre possível, sob
a dependência de Deus e com
a ajuda de seres humanos responsáveis, equilibrados e vigorosos
retomar a integridade. Para isto é preciso que nos desafiemos,
desafiemos os outros e combatamos o Mal e o Mundo, com fé,
coragem, amor, moderação e sabedoria.
O que significa, entre outras, não perder a oportunidade para
exercitar a fidelidade essencial da fé dialogal. Assim, vale
recordar que o servo
fiel da sabedoria ou filho da luz
(LC. 16,8) é aquele que está sempre pronto, com determinação,
definição e direção, para solucionar os dilemas que o ódio, o
mal e a contumácia suscitam.
Um
gigantesco campo de batalhadora
A
solução da difícil conjuntura espiritual e das contradições
terrenas se iniciam pela prática dialogal. Pois, a ação espiritual
não se acovarda diante das dificuldades. Uma vez que a comunhão
— a reunião dos fortes — busca a prédica
exortativa, o diálogo, e nos conduz a combater o mal e o mundo,
segundo Lloyd-Jones (1987), com a busca das respostas de três
questões psicológicas.
1.
Por que somos infelizes, perturbados e miseráveis?
2.
Por que a alegria e a felicidade vêm de fontes que não tem nosso
total envolvimento?
3.
Por que nossa vontade é dividida ou ausente?
O
coração, a vontade e o tratamento pessoal, para responder e
resolver as três questões psicoespirituais, devem buscar às
respostas apenas
com o entendimento. Ou seja, responder
com sabedoria
requer primeiro a mente, depois o coração e em seguida a vontade.
Logo, não temos o direito de atacar o coração do outro e nem mesmo
o nosso. Pois as ligações entre, no mínimo, duas pessoas “envolvem
e cativam a personalidade inteira”.
Os
relacionamentos exigem a totalidade do ser.
Se não conseguirmos a plena inclusão sempre haverá pessoas
desequilibradas porque lhes falta a completa união com a Palavra e o
Espírito.
“A
vida cristã é uma vida de um equilíbrio muito sensível. […] Já
foi comparada a um homem andando sobre a lâmina de uma faca, com a
possibilidade de cair facilmente para um lado ou outro. Ao longo do
caminho precisamos depender de distinções muito sutis […]”
(LLOYD-JONES, 1987, p. 71).
Desta
maneira, somos obrigados, porquanto somos responsabilizados, a olhar
para cima, pois “Quem
julga é o Senhor”
(1CO.
4, 4).
Assim, pouco adianta nos flagelarmos ou nos criticarmos em demasia.
Ao contrário, devemos ter claro na mente que um ânimo
podre
não nos é oferecido ou imputado no nascimento. No desenvolvimento
humano, organizacional e social, como no argumento bíblico,
precisamos exercitar o “temor,
amor e moderação”
(2TM. 1,7). Temor
é unido ao temperamento, sua base é o “eu”. Por isso você pode
“viver à vida cristã e batalhar contra as tentações e os
pecados […] (pois
tem)
o poder para resistir, o poder para prosseguir não importando as
condições ou circunstâncias, o poder para perseverar e ficar firme
[…] e o poder para todas as coisas —
até enfrentar a morte”
(LLOYD-JONES, 1987, p. 89). Já o amor
—
o caminho da redenção para os miseráveis — é o esquecimento de
si mesmo, a recusa do autointeresse, a oposição da autopreocupação,
a libertação do eu. Amar é ter uma só paixão: ver o próximo
como a presença do Senhor. Com ambos, temor e amor, conquistamos a
moderação
— o conhecimento e a destreza para ter
autocontrole, disciplina, mente equilibrada —
mesmo que sejamos nervosos ou tímidos.
A
somatória destas marcas cristãs fortalecem a ação da fé e
reduzem, ou mesmo impedem, as consternações. Aquele que tem fé,
portanto, “recusa
entrar em pânico”
(LLOYD-JONES, 1987, p. 125). Fé
se opõe a
perturbação, ao alarme e a exaustão. Mas sempre está pronta a
enfrentar as necessidades e as provações, mesmo quando mantemos as
dúvidas.
Fé
começa e termina com um conhecimento do Senhor
(LLOYD-JONES, 1987, p. 135). A fé baseada no conhecimento da
doutrina bíblica condiciona as emoções, dirige a felicidade,
elimina a infelicidade, ridiculariza a insensatez e nos faz andar
sobre as águas infestadas de problemas e dificuldades com grandes e
ameaçadoras ondas.
“A obra que Sua bondade começou, Seu braço de poder há de completar” (Toplady).
A
vida cristã
é extraordinária, embora seja vivida num gigantesco
campo de batalhas,
os quais muitas vezes desencorajam. A modernidade tem trazido mais
obstáculos. Mais de 4 bilhões de pessoas têm acesso à internet.
Mais de 2,13 bilhões são usuários ativos do Facebook. Há uma
hipótese de que 96% da população mundial tem um telefone móvel,
mais de 6 bilhões de aparelhos. Nestes emaranhados de redes sociais,
a tentação peculiar assedia a todos. “No
Gólgota, os sacerdotes tramam, o céu eclipsa, um trai, outro nega,
e Cristo perde momentaneamente a identidade de mestre”
(Jürgen Moltmann). O
acesso à informação sem uma correta análise possibilita que hoje
O
esqueçamos, não convivamos com Ele em todo o tempo, não
reproduzimos Suas Palavras, não nos aflijamos com a escravidão
maligna e mundana.
Tudo é aqui e agora. Logo, o
desânimo é proeminente, a tristeza nos inunda, a depressão surge,
os fracassos nos congelam, o pecado passa a ser uma atitude viciante,
pois a abstinência da Palavra já está cauterizada. “Cristo
já não se apresenta só; é Ele e mais alguma coisa”.
Há sempre algum estimulante artificial que nos leva a nunca estar
contentes.
“Hoje, recusamos o sofrimento. As pessoas querem felicidade. Assim, anestesia-se a dor, empobrecemos os sentimentos, tornamo-nos apáticos”. (Jürgen Moltmann)
Julgamos uns aos outros
Em
decorrência, julgamos
uns aos outros.
“Julgamento
é sempre defeituoso porque o que a gente julga é o passado”
(João Guimarães Rosa). Daí, há
mais mortes sem sentido, há mais ódio eterno, mais dor que não
cura, mais guerra.
Ninguém sabe que o
ódio é o princípio da demonização
—
a
dilaceração pública oferecida pela sociedade ampliada pela
animosidade originada pela antipatia, pela ofensa, pelo ressentimento
e pela raiva. Isto nos faz perder a sensibilidade da convivência
social. Ora, é necessário recordar que convivência
social
é derivada do conhecimento das relações, dos conflitos, das
necessidades e aspirações humanas. Também é derivada de um bom
exercício individual de lapidação de si próprio, o que requer
experiência de vida.
“Pela oração, cada um pode libertar o outro em vez de controlá-lo; encorajar em vez de condenar”.
Quão
facilmente esquecemos que as
relações
se dão a partir da maneira pela qual os indivíduos se veem e se
enxergam. Eis um grande problema, pois o avistar e o perceber é
fluido. Muda completamente a figura, altera e suprime às identidades
registradas na memória. Nos fazem abrir mão do absoluto, do
fundamento. Potencializam a constante insatisfação, nos fragmentam,
enrijecem os critérios e incentivam as comparações. Por vermos
apenas um
dos lados
atacamos os envolvidos na convivência intercultural enregelamos as
nossas próprias referências antropológicas e simbólicas, o que
eleva as distorções e coerções dos diálogos. A partir daí a
convivência se torna conflituosa —
um choque de consciências e liberdades — nos obrigando a controlar
o outro de maneira extrema.
“Que Deus nos defenda das ruindades calmas, dos ódios que sorriem, que não alardeiam, que caminham entre nós nos andores da falsidade” (Pe.Fábio de Melo).
Por
recusarmos o diálogo, alguns até o desprezam, a
sociedade
se torna opressora, porque tem uma só visão, enxerga apenas um
contexto. Mas o
diálogo é a conjugação da totalidade contextualizadora e não
opressora de qualquer sociedade. Aristóteles
vem a memória porque defende que o homem é um animal político. Ou
seja, os humanos vivem em sociedade por natureza e não por
convenção. Somos dotados do “Logos”,
isto é, da Palavra
—
como fala e pensamento. Aí, em grupo, em sociedade, na cidade,
resolvemos os conflitos e as lutas, buscando sempre o bem comum e a
construção da justiça. A convivência
é, portanto, solidária. Nasce do reconhecimento da interdependência
—
mesmo ligada à culpa. É uma conduta, atitude ou disposição para
agir com entendimento.
Convivência
plena,
com respeito e partilha de espaços e ações, será o fundamento
perfeito para o entendimento das particularidades de cada ser humano
e entendimento da diversidade como parte integrante da vida humana. É
a base para o conhecimento
como a oportunidade de construir uma reflexão
da realidade
através das informações recebidas com consciência.
“O inferno é a experiência do abandono, a falta de perspectiva, o sofrimento aniquilante, o lugar do castigo”. (Pensamento moltmanniano).
Aceitamos
todas as opiniões
O
sobrevir da realidade faz com que a igreja e a sociedade
contemporânea tenha vários exemplos de estrutura de plausibilidade.
Estrutura
de plausibilidade,
segundo o sociólogo Peter Ludwig Berger, são às estruturas de
pensamento aceitas por uma cultura específica de forma geral e quase
inquestionável. Em outras palavras, podemos dizer que é a perda da
capacidade
de examinar, avaliar e discernir com profundidade
os assuntos que se apresentam para um diálogo consistente,
consciente e coerente.
Em decorrência, as
ilusões são ampliadas, a fragmentação da personalidade é
exacerbada, os sonhos e desejos são majorados, a negação das
negações exponenciadas, a perda do rumo é decretada. Assim, a
sociedade corre o risco de aguentar, aceitar ou suportar sem
repugnância tudo que se apresenta a ela.
“Admite-se opiniões de todo tipo e a recusa de determinadas doutrinas”.
Como
diz Donald Arthur Carson, no livro “A intolerância da tolerância”,
“mudamos de permitir a livre expressão de opiniões contrárias para aceitar todas as opiniões; saltamos da permissão da articulação de crenças e todos os argumentos dos quais discordamos para a afirmação de que todas as crenças e todos os argumentos são igualmente válidos” (2013,p. 13).
Parece
continuamente nos faltar o autodomínio e a sabedoria. Vale recordar
John Stott em seu livro “Cristianismo equilibrado”: “em
coisas essenciais, unidade; nas inessenciais, liberdade; em todas as
coisas, caridade”
(2009, p. 15). Ou seja, cabe-nos o autocontrole para que as
inclinações de temperamento não nos leve a perder o equilíbrio.
Ou seja, temos que exercitar o uso da razão. Pois, “renunciar
o uso da razão é renunciar à religião [uma vez que] religião e
razão seguem de mãos dadas”.
Sem
a racionalidade bíblica e espiritual nas nossas leituras e em nossas
interpretações o homem se torna um pecador. Francis Schaeffer no
livro “A morte da razão”, diz que “pecador
que é, não pode o homem ser seletivo em sua significação, de
sorte que deixa após si boas e más pegadas na história […]”
(1977, p. 90). Nesta ótica, cabe-nos entender que a fé não é uma
série vaga de experiências incomunicáveis, um salto no escuro,
algo inverificável. Fé é o conhecimento do Deus que existe e
envolve o homem. É uma aplicação vigorosa e enérgica do ânimo
que nos faz aproximar de Deus através do ponto de referência, que é
a Bíblia. Ora, a Bíblia é “a
comunicação da verdade proposicional de Deus, escrita em forma
verbalizada, àqueles que são feitos à imagem de Deus”
(1977, p. 88).
Logo,
mesmo que o homem sofra as consequências do pecado original e dos
pecados diários, o que o faz limitado, ele tem o potencial —
através do amor e sabedoria dialogal —
para refletir, sentir temor e alcançar as respostas para nunca mais
cair nem ser derrotado pelo erro, pela omissão e pela desatenção.
Justiça
e psicologia
Através
da justiça nos relacionamentos pessoais obtemos três aspectos da
coexistência humana. O primeiro é o ético. Aqui ética
significa a virtude da equidade, a competência de agir com piedade e
decência para preservação da paz e prosperidade na comunidade
cristã (IS. 1.21; 5.23). Em seguida, há a justiça forense
– a força ou ação divina para livrar-nos do mal. É a salvação
como vindicação (IS. 1.27; 46.13). E em terceiro, a justiça
teocrática,
ou seja, o cumprimento perfeito da vontade de Deus. Justiça,
portanto, é a exigência da obediência no caminho da retidão (DT.
6.25) (Harris; Archer Jr.; Waltke, 1998).
Dizer
a alguém “seja
justo” pode provocar através da psyché
ou anima,
a solução de alguma enfermidade do comportamento. Pois o ser humano
é o sujeito de sua história. É o único capaz de percorrer um
caminho retilíneo para o desenvolvimento do objeto do conhecimento
apresentado a nós na medida em que é produzido por nós, segundo
Hegel (1996). Desta forma, o mundo sensível
— a
experiência exterior
— exige
sempre a observação ou uma percepção externa das mais ocultas
paixões do interior humano para que a justiça não seja uma
aparência. O sujeito em crise ou em busca de autoconhecimento sob
uma escolha consciente pode estabelecer a razão determinante dos
seus atos, inclusive diante das formas apresentadas pelo “mundo
cindido, separado em dois: de um lado, o mundo verdadeiro e eterno
das determinações autônomas, do outro lado, a natureza, as
inclinações naturais, o mundo dos sentimentos, dos instintos, dos
interesses pessoais e subjetivos” (Hegel,
1996, p. 55-56).
A
coexistência humana da justiça em suas três feições e sentidos
traz à tona a urgência de uma terapia. Terapia, therapeuo,
conforme Gehard Kittel (1965) é o cuidado
voluntário e preocupado em servir no espírito
(GN. 15.2; 24.2-14). É a capacidade de recuperar o equilíbrio
emocional através da “reconquista
da autonomia da pessoa, [d]a superação de experiências traumáticas
do passado, em suma a normalização dos relacionamentos pessoais e a
renovação da coragem para viver”
(Brakemeier, 2007). Homens e mulheres constroem sua personalidade por
meio do sentido de “cuidar
da subsistência não apenas material”
(Kittel, 1965, p. 274), mas espiritualmente. A coragem e a prudência
de toda a vida social, pública, política e psicológica ganha, com
os atos de justiça, um real significado e um verdadeiro compromisso
atitudinal para contribuir com o ministério da justiça e do juízo
(2CO. 3. 7-9).
O
significado e o compromisso nos livram da “cultura
do positivismo social”.
As experiências do “eu” e seu ambiente social expressam o ponto
de vista do inconsciente e das pulsões humanas e animais.
Claro
que as
sensações
alteram os comportamentos. O que enseja a busca da compreensão do
desenvolvimento da personalidade pela psicologia e impulsiona a
teologia a penetrar no entendimento das alienações da realidade do
sujeito em desenvolvimento psicológico. A diferença é encontrada
na evocação dos conteúdos vitais da realidade exterior. Ou seja, a
psicologia
analisa as aparências particulares, os sentimentos adormecidos,
enquanto a teologia
nos conduz a sublimidade que nos afasta das vilezas originadas pela
autoelevação insignificante dos desejos selváticos ou carnais.
“A depressão é um processo de anulação e apagamento das habilidades da mente”.
Ambas
as ciências querem encontrar a conciliação dos pensamentos,
sentimentos, vontades, desejos, liberdades e oposições dos mundos
exteriores e interiores, conscientes ou não, para que a pessoa
encontre a si própria. É uma atividade contínua que renova a
coragem para viver. Uma contemplação particular da sensibilidade da
alma para as determinações ajuizadas da subjetividade que é
envolvida pela verdade, segundo a teologia, e segundo a psicologia é
a procura da finalidade implícita ou explícita de uma secreta
aspiração, atração ou vontade.
Nas
duas ciências, parece que a questão do diabolos
—
o impulso que semeia a desunião
— precisa
de uma ou mais respostas para compreendermos o que nos divide,
separa, aliena, dissocia, desvincula, cega ou minimiza. Deste modo,
todas as vezes que, no nosso íntimo, nos alteramos
— mesmo
que inconscientemente —
perdemos a presença do Espírito que nos envolve com liberdade e
amor. E criamos psicopatias que dilaceram
as relações da convivência.
Vale aquilo que considero “meu”. As patologias do egoísmo
limitam e aprisionam. Há castrações do desenvolvimento
psicológico.
As
seduções,
o
desviar-se do caminho correto (PV. 1. 10), acrescidas pelos corações
endurecidos pelo pecado em si (JR. 17. 1), potencializam a vontade
desgovernada (IS. 5. 18) e dominam toda a pessoa fazendo-a errar o
alvo (GN. 4. 7).
Enfim,
a tensão entre a psicologia e a teologia é resolvida, ainda que
reduzidamente, pela via intermediária. A sophia
encontrada entre os pontos convergentes de ambas, nos conduz as
habilidades de fazer escolhas piedosas, sem teoria, abstração ou
coeficiente de inteligência. É a vitória sobre a preguiça, a
desonestidade maliciosa, a insensatez (o prejuízo a vida reta), o
egoísmo (crime violento da recusa em ajudar ou rejeição de
quaisquer compromissos) e a imprudência sexual. É advertência
contra os pecados capitais. Uma indicação para que, como Jó,
deixemos o Vale do Desespero (JÓ 6. 8, 24-26; 24. 12).
Amor
e Perdão
“O céu começa em você” — Anselm Grün
“A
vida é um ruído entre dois grandes silêncios”,
por isso precisamos de gente ao nosso lado que saboreie a cultura
de participação.
Um grupo, uma equipe, uma sociedade que “não
se entrincheire contra si mesmo”.
Uma consociação, uma comunidade que mantenha a mesma inclinação,
ache a lucidez, permaneça honesta, recuse a ausência da verdade,
abra a mente com discernimento, admita as duras intervenções como
ensino e entenda a força do amor para se manter saudável na “paz
dourada de cada manhã”.
O
amor, parte integrante da cultura da participação, dá o
significado da cifra do esforço, decifrada pela espiritualidade da
memória. Sob o exercício do amor, a consciência
humana se torna universal, comum e originária.
Além de propor a definição do caráter dos envolvidos. Caráter é
o que conduz a aspiração filosófica do Bem e a revelação
judaico-cristã do Amor. É o poder maior que qualquer outro sistema
de avaliação. É o que faz o ser humano um guardião da própria
consciência e um ser responsável pela manifestação e epifania das
significações dos fenômenos da terra toda. O caráter humano,
através da linguagem, interrompe o silêncio da natureza, o mutismo
das coisas, a impiedosa indiferença, a obscuridade solitária e sem
palavras, a corpulência sem identidade. O ser humano dotado de
pensamento e palavra produz as constantes evoluções (POPPER, 1965;
2013) e repele as anormalidades, as degenerações, as perversões, o
alienar-se de si mesmo.
Deste
modo, a filosofia, a psicologia e a teologia buscam o fundamento do
caráter através de indagações.
A filosofia segue o caminho da transparência, a psicologia busca o
entendimento das interpretações obscuras do sentido do
comportamento e a teologia procura a verdade que sustenta a vida
oculta. Cada uma destas tem uma caricatura da linguagem.
Um
sinal distintivo e indicativo
— um
caráter
— só
possível pela criação e renovação do Espírito e pelo exercício
frequente e heroico da integridade do caráter incorpóreo (1TS.
4.3-7). Uma firmeza consolidada pelo amor desinteressado e perene
(1CO. 13. 4-8), a catapulta daquilo que não nega interesse, mas sabe
administrá-lo. A propriedade íntima do saudável coração que
mantém as fontes da vida verdadeira (PV. 4.20-27).
O
“amor
é o único traço de união e cultura espiritual”
que não leva para o interesse da paixão. Porque paixões “motivam
colisões”.
O amor é “reflexivo
e motivado”,
“um
círculo muito estreito de expressão da totalidade”,
“a
profundidade da verbosidade”,
“a
interioridade concentrada na exterioridade”.
Dado apenas aos que têm “caráter
firme e estável, determinado, uma subjetividade que não se desvia
nem dispersa”.
Porquanto, o “verdadeiro
caráter age sempre por iniciativa própria e com responsabilidade
própria, não permitindo que um estranho intervenha nas suas
decisões ou influencie seus atos”.
O
Espírito, por tudo isto, está sempre num movimento progressivo.
Ele “nos
faz agir de acordo com um fim”.
Nos faz encarar o negativo, os pensamentos fixos, os saberes sem
vida, a vaidade.
Como
entendeu Kant (1793, 2008), o espírito vence o abismo da liberdade,
a inclinação livre e perversa para o mal, a tendência para tomar
decisões comportamentais arbitrárias para além da moral.
Com
e pelo
espírito nos livramos da opressão da contaminação, sobretudo a
social. Contaminação,
do latim contaminatio,
contaminationis,
é a corrupção através de contato. Sendo uma sujeira, poluição,
infecção ou alteração da pureza, a contaminação causa
modificação nas condições normais devido ao contato que torna
inferior, indesejável ou impuro o objeto ou pessoa tocada, através
de um rápido processo.
A
história da humanidade registra diversos acontecimentos nos quais os
juízos foram deturpados ou contaminados por causa da hipertrofia da
subjetividade, da alteração dos valores para satisfação
individual, da comparação excludente que sequestra a consciência
aceita pelo significado social da história da humanidade. As
concepções pré-científicas, o modelo médico, o modelo
mainstreaming,
o modelo social atual, das pesquisas filosófica, antropológica e
psicológica não diminuíram os conceitos idealistas dos grupos
opostos.
Por
isto necessitamos interromper as paixões. Pois as paixões conduzem
as ilusões da identidade, a multiplicidade das razões subjetivas,
as indiferenças materialistas, aos ódios rígidos advindos da
imediatividade irracional e aos desprezos por comportamentos
discrepantes.
Precisamos
realizar o amor que discerne e encerra com as hipocrisias e
falsidades, com as fragmentações, os ódios e os achismos sociais.
Carecemos do amor que termina com todas as psicopatias que dilaceram
as relações da convivência
— a ideia de que tudo é
“meu”; uma patologia do egoísmo que limita, aprisiona e castra o
desenvolvimento psicológico.
Talvez
isto possa ser alcançado com o exercício do perdão. Perdoar não é
desabafar nem dizer palavras sem responsabilidade, não é apaziguar
nem reconciliar as partes. Perdoar é ser liberto da amargura e das
regressões. Perdoar é parar de vagar sem alvo, sem esperança, sem
cuidado. É cessar com as concupiscências que procedem do engano e
renovar contínua e progressivamente o aperfeiçoamento da mente e do
coração à medida da completa e sã espiritualidade para encerrar
com a desunião, a desordem e os problemas. O perdão é um
derramamento da graça e da misericórdia que nos ensina a parar de
julgar os outros com base em padrões, perspectivas e experiências
pessoais. Perdoar é trazer a paz.
Considerações
finais
“As normas não podem ser extraídas dos fatos” (David Hume, filósofo anglo-saxão).
O
centro da vida humana, sua capacidade de relacionar-se, está em
agonia. A aflição vem pela linguagem teimosamente incerta, parcial
e inessencial (Derrida, 2009), bem como pela inexistência de
profundidade, pela inconsciência dos discípulos, pela unidade sem
ligaduras, pelo maligno engano dos sonhos, pelas cópias de ideias
que não seguem adiante, pelo terror das confissões de sangue, pela
animalidade dos sorrisos pintados, pela intencionalidade da captura
do paradoxo dos desejos, pela fecundidade mística da violência,
pela contradição da história, pela invisibilidade da negação,
pela letra morta, pela abstração da ética, pelo consumo do
respeito, pela insensibilidade do pensamento, pela exterior
psicanálise do espírito.
“O
ser humano é alguém que necessita ser cuidado, acolhido, valorizado
e amado”
(Donald Winnicott). No entanto, tem sido enredado pela sensação do
vazio
— a depressão nos relacionamentos. Por isso, a vida futura fica
ciclicamente condenada. O emaranhado de infelicidade, perturbações,
miserabilidades, ausências e divisões nas relações humanas
desequilibradas têm dificultado o fim dos ódios — o princípio da
demonização.
São
poucos os relacionamentos em que há a totalidade do ser. Falta-nos
força e inteligência para extinguir as tristezas, os fracassos, os
desânimos, as desilusões, os desesperos, às dúvidas e todas às
artificialidades dos relacionamentos. A centralidade do afeto, se
houver e se não for defeituosa nem pessimista, não pode se tornar
uma pretensão acusatória, uma convicção apressada, um cinismo que
desconecta as condutas e impede a unificação do pensamento com a
consciência.
A
animosidade de adultos, jovens e crianças amputam pela antipatia,
pela ofensa, pelo ressentimento e pela raiva toda a sociedade e faz
perder a sensibilidade da convivência social. Os conflitos nunca são
solucionados, o que faz com que a experiência da vida fraterna,
conjugal, “onissocial”,
sejam descontextualizadas. Quando os diálogos não são conjugados,
a convivência plena se torna uma utopia. Porque as particularidades
de cada ser humano recusam a alteridade e a diversidade. Logo, o
mundo continua cindido. Ao menos até que os relacionamentos sejam,
de fato, mas não de norma, totais na humanidade.
“As provações revelam o amor”. (Carta aos Hebreus, 12, 4-13).