Distanciamento inter-humano e isolamento social — a perspectiva das relações após a pandemia

As restrições sociais impostas por um vírus é capaz de alterar os destaques da valia social (intrínseca e estimativa)? É capaz de mudar os apreços inculcados ao longo de gerações, a significação exata dos limites, dos espaços, dos períodos, das balizas do envolvimento e dos conteúdos constituintes das mais diversas relações humanas? Um microrganismo acelular que nos força o distanciamento, modificará a humanidade? O préstimo social da pandemia oportunizará um aumento de sensibilidades, de percepções e dos bons sensos? O contato humano será cerceado? A humanidade impossibilitará a expressão das múltiplas experiências interiorizadas, das variadas personalidades, das diferentes realidades antropológicas?

A psicologia, que nunca fora onisciente, não tem a resposta. A psiquiatria, e sua dimensão física da intelectualidade e emocionalidade, não sabe a possibilidade dos efeitos das insanidades causadas pelo distanciamento e isolamento. A teologia não encontra o rumo holístico do mistério humano. São três mediadores de ajuda presos no dilema da clausura.

Por isso, no encarceramento da sociedade, os relacionamentos entram em crise. Não conseguem derrotar “a crítica, o desprezo, a defensiva e os embaraços” (GOTTMAN, 1995) causados pelo distanciamento e isolamento. E por esta causa a humanidade entra num ciclo de competição psicossomática – às vezes disfarçada em atividades de intercâmbio, outras em teatros sociais (DERRIDA, 2009). Criamos algozes e vítimas sem respostas porque enfraquecemos a pessoa nos emaranhados das dificuldades psicossociais e econômicas.

Assim, os relacionamentos em crise não podem admitir uma análise deficiente do complexo humano, não podem consentir com os fenômenos grosseiramente repetidos por causa da interdependência, “da dialética do processo social” (BOURDIEU, 2014). Afinal, o exame insignificante cria ou reforça os conflitos estéticos da realidade política. Deste modo, fixamos os problemas sociais: as opiniões, nunca aclaradas, que geram pressentimentos, heresias e mortes; o embrutecimento das comunicações; e a akedia.

Opiniões são conhecimentos superficiais, em grande parte ilusórios, apegados aos sentidos. São conhecimentos imediatistas, algo incapaz de atingir a essência dos problemas. Opinião, na língua grega λόγος, tem origem em λέγω (légō), literalmente “Eu digo”. Por isso, em tempos discordantes, os dominantes sem risco algum determinam as falas, as marcas, as manias de todas as representações sociais. Os dominados estabelecem “juízos firmes carregados de emoções” (JASPERS, 2018). As opiniões se concentram na preguiça do pensamento, na falta de questionamento, nos descompromissos e esquivas da responsabilidade. “O conluio objetivo dos interesses” (BOURDIEU, 2014) apropria-se simbolicamente dos opositores ou concorrentes e orientam os pressupostos e postulados dos conflitos. Praticamente tudo é bargaining power – uma violência branda para os que flexibilizam a “autoridade protetora” (BOURDIEU, 2014).

A comunicação, segundo Nobert Wiener, é a sintetização da retroalimentação do ser humano, […] uma interpretação do conhecimento que o homem tem do universo e da sociedade. É a ação de participar da troca de informações através de símbolos. Por ser um conceito polissêmico, um conjunto de canais e meios, um processo social complexo e diversificado, a comunicação é o ponto da origem e do destino da mensagem selecionada (Claude Shannon). Vale dizer por fim que comunicação não é informação. Informação é um ritual de purificação, um sistema de transmissão de inteligência. Próxima do pensamento aristotélico, a informação é a soma do movimento flexível e abrangente, enérgica, que soluciona a incerteza, minimiza o caos e extingue a desordem da entropia. Informar não é oferecer significado nem ratificar uma palavra. Antes é uma dificuldade, pois subliminarmente, as informações estabelecem interpretações automáticas, não conscientes. A mente humana inconsciente transforma diferenças difusas e nuances sutis em distinções nítidas, o que nos conduz a apagar frequentemente os detalhes ou torná-los irrelevantes (MLODINOW, 2013).

A akedia, a paralisia da esperança, é a impressão de esvaziamento, insipidez ou aridez por falta de atenção ou motivação. É a perspectiva de não ter mais sentido nem gosto; tudo passa a ser mecânico. É um risco para o tempo presente dos relacionamentos. Pois é no tempo presente que a esperança se une ao intelecto para manter-se compromissada e perseverante, e para guardar a disposição da realização do espírito em nosso íntimo (HEGEL). Ou seja, a esperança transforma as condições objetivas da sociedade pela plenitude da vida individual. E é por esta causa que a abertura para esperança precisa ocupar a totalidade dos espaços humanos. Como disse Karl Popper,

É preciso que nós, homens, tenhamos coragem, quando pomos a refletir sem vendas nos olhos. Devemos avançar no escuro, de olhos abertos, proibindo-nos de renunciar ao pensamento. A coragem engendra a esperança. Sem esperança, não há vida. Enquanto há vida, há sempre um mínimo de esperança, que brota da coragem. A esperança se mostra ilusória quando o existente naufraga. Só amparado na coragem pode o homem caminhar de fronte erguida para o seu fim […] (POPPER, 1965, 2013).

Enfim, a esperança combate o medo, a dor, a incerteza, a tristeza e a intimidação dos perigos com a firmeza reagente dos resultados que nos são impostos.

Para concluir, o distanciamento inter-humano e o isolamento social precisa ser norteado pela educação, pela ética e pelo pensamento crítico se, de fato, quiser encerrar com os preconceitos, extinguir as crises relacionais e combater os infortúnios, os abandonos, as pobrezas (expressos nos conceitos de Gabinete do ódio, Bancada da bala, cegueira moral do Judiciário, 35 Partidos políticos, ideologias discrepantes do Ministério Público, povo inculto, com pouca prática da ciência e larga impolidez, rústico em escolaridade, sem os cuidados especiais das ciências do conhecimento).

Em outras palavras, precisamos internalizar os significados e as extensões expressas na frase: “o que é uma distância segura para alguém, para outra pessoa é um abismo” (Haruki Murakami) para não sermos aprisionados pela banalidade do mal nem pelos erros e equívocos estabelecidos pelas opiniões, pelas falhas de informação e comunicação e pela perda da esperança. Carecemos cultivar a convicção – a palavra, manifestação ou mensagem – “que permite pôr, com a consciência tranquila, o tom da força ao serviço da incerteza” (Paul Valéry) que muda nosso futuro.

Sobre César Pinheiro

Alguém que acredita que “fora do “amor”, tudo é morte”; que a “paz” – “a ciência da paciência” é plenitude; que “justiça” é a capacidade de retidão que pode nos livrar do mal; que a verdade é a primeira virtude de um sistema de pensamento; e que santidade é a plenitude da vida no Espírito.
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